Yo La Tengo na madruga

Pois o André Takeda cumpriu sua parte do trato:

O frio é carente, ele pensava enquanto procurava um lugar para beber a sua cerveja sossegado. Pouco mais de dez graus lá fora e, mesmo assim, dezenas e dezenas de pessoas decidiram sair debaixo de seus cobertores para tentar um pouco de calor no meio de música alta, conversas interrompidas e fumaça de cigarro. Talvez ele até quisesse companhia, mas a idéia de se jogar em algum canto do lounge parecia mais atraente. Hesitou quando viu um espaço sobrando em um sofá de dois lugares em forma de coração. Mas a moça de xale colorido não demorou a perceber a sua indecisão: Ei, senta aqui. Ele sorriu, disse um Obrigado que logo foi abafado pelas caixas de som, e aceitou o convite. Pulou algumas vezes sobre o sofá, falou Que confortável e estendeu a garrafa long neck para retribuir a gentileza. A moça disse Não, obrigada, desculpe, mas cerveja não é bebida de inverno. Desejou que a frase também tivesse se perdido pela sala, mas conseguiu apenas levantar as sobrancelhas tentando aparentar vergonha. É que não entendo nada de vinho, ele se desculpou, por isso acabo só bebendo cerveja mesmo. Ela colocou o xale sobre o colo, abriu o último botão do casaco de lã e perguntou E se você não é um enólogo, é o que então?. Droga. Ele não estava preparado para conversas naquela noite, tudo o que queria eram algumas horas de álcool e música antes de cair sozinho na cama. Até que ouviu os primeiros pa-pa-pa de uma canção que tanto gostava. Respondeu, então, Sou musicólogo. E o que um musicólogo recomenda para esta noite?, perguntou novamente ela. Ele acompanhou as batidas preguiçosas da música e falou Yo La Tengo. Com as sobrancelhas arqueadas, ela demonstrou o seu espanto: Yo La Tengo… nunca ouvi falar. Ah, ele suspirou, é uma banda independente, lá dos Estados Unidos, e em noites como esta, às vezes eu me pergunto: Musicalmente falando, tem coisa melhor que ficar ouvindo Yo La Tengo durante a madrugada no inverno?, se tem por favor me avisem. Ela gargalhou, mexeu nas pontas coloridas de algodão de seu xale, e, nervosa, falou Tem, sim, ouvir Yo La Tengo bebendo um bom copo de vinho tinto, quem sabe um Valpolicella Bolla, que é gostoso e nem é tão caro… Pela última vez naquela noite, ele hesitou, mas o segundo botão aberto do casaco de lã tirou todas as suas dúvidas. Seguiu o xale que coloriu a madrugada, e, ao som de Yo La Tengo acompanhado de uma garrafa de Valpolicella Bolla comprada em uma loja de conveniência, descobriu que sim, o frio é carente. Ou melhor, era.

Legal! 🙂 Gostei muito!

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