Hoje fiz algo que a muito tempo não fazia: li de uma sentada só um livro. No caso Mas não se mata cavalo?, de Horace McCoy, que já rendeu até filme (A Noite Dos Desesperados, do Sydney Pollack com a Jane Fonda). Ok, o livro é curto, só 153 páginas, mas é uma paulada. Sinta só a abertura:
– Levante-se o réu.Levantei-me. Por um momento tornei a ver Glória sentada naquele banco lá no trapiche. A bala lhe entrara bem no lado do crânio; o sangue nem sequer começara a escorrer. O clarão do tiro ainda lhe iluminava o rosto. Tudo me parecia claro como o dia. Lá estava ela num absoluto repouso, no mais completo bem-estar. Ao golpe da bala a cabeça lhe caíra um pouco para o lado oposto ao em que eu estava; eu não tinha uma visão completa de seu perfil, mas podia ver de seu rosto e de seus lábios o suficiente para saber que ela estava sorrindo. O promotor público estava enganado quando disse ao júri que ela morrera em agonia, sem amigos, sem outra companhia senão a de seu brutal assassino, ali, naquela noite negra, à beira do Pacífico. Ele estava enganado, tanto quanto um ser humano pode estar. Ela não morreu em agonia. Estava em repouso, numa grande felicidade, e sorria… Foi a primeira vez que a vi sorrir. Como podia estar em agonia? Além disso, ela tinha amigos, sim.
Eu era o seu melhor amigo. O seu único amigo. Ninguém pode dizer que ela não tinha amigos.
O livro é de 1935, e a tradução de Érico Veríssimo. Se você encontrar por aí não se furte de ler essa pequena pérola.