Software Livre 2002 – Parte final

Então vamos concluir os relatos sobre o Fórum Internacional Software Livre 2002:

Sexta-feira de noite dei uma olhada no encontro nacional dos desenvolvedores e usuários do Debian GNU/Linux. É impressionante a organização desse pessoal, compreendendo-se como essa distribuição, totalmente feita por voluntários, apresenta uma qualidade tão grande. O que chama a atenção é que para ser um desenvolvedor Debian não basta ter vontade, mas tem que ser aceito como um desenvolvedor. Para isso há duas provas, uma para ver se a pessoa tem condições técnicas, e outra para ver se a pessoa compreendeu perfeitamente o código de ética do grupo e toda a filosofia por trás do projeto. Interessante foi ver que bons desenvolvedores já foram dispensados por não compreenderem as motivações por trás do trabalho do grupo. Perde-se assim uma pessoa tecnicamente qualificada, mas que no futuro poderia gerar problemas para o trabalho como um todo. É a primeira vez que vejo um trabalho colaborativo em software livre ter uma linha administrativa tão séria.

Logo em seguida foi a sessão Como organizar Grupos de Usuários. Como presidente (prá la\’de atrapalhado, diga-se de passagem) do grupo Porto Livre acabei subindo no palco, onde eu expliquei como não organizar um grupo. Não que o Porto Livre seja ruim, nada disso. É só que do jeito que ele está está mais para uma lista de discussão, como já foi colocado antes, do que para um grupo de usuários. Conversando com a Vânia, da Conetctiva de Porto Alegre, fiquei sabendo que a Sucesu está procurando um grupo de usuários para trabalhar com eles. Acho que esse pode ser o caminho para o grupo crescer… O Binhara, da OpenSystem, já tinha falado que esse era o melhor jeito, mas decidimos no grupo fazer algo mais independente. E só o fato de termos espaço no fórum para colocarmos um estande com o nosso material e não termos aproveitado isso mostra que a coisa não está dando certo.

Quanto aos demais grupos, o que chamou a atenção foi o da OpenSystem, pela organização, o Quilombo Digital, pela proposta de uso ético da informática, e o das GNUrias, não só pela beleza delas 😉 mas pelo tipo de trabalho que estão fazendo, de carater mais social, levando o Linux para mais pessoas através de palestras e cursos. Aliás, falando em beleza o Fórum teve a sua musa: Carol, que trabalhava na organização do evento, mais especificamente na sala 41E, justo a que estavam as sessões sobre segurança de dados (logo, estavam sempre lotadas). Era ela passar para os homens presentes (99% do público do evento) prenderem a respiração. Aliás, fiquei sabendo que teve uma hora que ela subiu no palco para ajeitar alguns banners ali em cima e a galera começou a aplaudir ela. Ô bando de tarados 😉

Sábado de manhã fui assistir à sessão IBM & Linux: a estratégia de Software & Linux para grandes corporações. Desde que a IBM começou a participar do Apache Group eu meio que acompanho o que eles estão fazendo, mas mesmo assim me surpreendi. A IBM realmente abraçou o software livre, a ponto de gastar o seu rico dinheirinho não só em publicidade, mas tornando ferramentas dele software livre. Sim, a IBM está gastando dinheiro para pegar seu software e liberá-lo. Um exemplo é o Eclipse, uma IDE extensível. A empresa gastou nada mais nada menos que 40 milhões de dólares para pagar todas as licenças envolvidas no programa e torná-las open-source. E antes que alguém diga que isso é jogar dinheiro fora, eles mesmo falaram que todo o investimento feito com Linux e software livre no primeiro ano após eles \”abraçarem\” a causa já retornou, seja em forma de parcerias, seja em troca de conhecimento, seja na venda de novos produtos, como a linha de mainframes deles, que simplesmente ressuscitou. Entre os cases de usuários de linux em mainframes há vários bancos, que estão usando o sistema para outras coisas que vão além de caixas eletrônicos. O pessoal só não deu o nome dos bancos por questões de contrato, mas avisaram: a economia que esses bancos estão tendo é coisa de milhões de dólares mensais. Outra coisa interessante é a analogia do porque abraçar software livre que eles falaram na palestra: Você namoraria alguém que esconde algo de você? Bem, se a resposta é não, porque fazer a sua empresa se casar com outra que tem soluções proprietárias?

Fui também assistir a apresentação Software livre nas estatais federais, mas não aguentei olhar nem o primeiro relato e saí. Valeu a pena, pois fiquei no corredor com um pessoal que trabalha como o governo de estado e que está indignado com o fato de que há muito mais propaganda na adoção dos projetos estaduais do que é realmente verdade. Bem, que a Rede Escolar Livre está engatinhando isso é fato admitido pelo pessoal. O ruim é saber que em várias instâncias da administração pública a Procempa não libera a instalação do linux nem em dual boot, quanto mais como sendo o sistema operacional único da máquina, além do que tem muita coisa feito pelo PT de Porto Alegre (via Procempa) e pelo PT do estado (via Procergs) que roda unicamente em Windows. Levando em conta que quem me contou isso é um consultor que trabalha com as duas empresas, é de se preocupar…

A tarde fui ver a palestra do Larry Wall, The PERL Language by it\’s creator. Eu sabia que haveriam algumas modificações no Perl 6 em relação ao Perl 5, só não esperava que fosse tudo! Simplesmente o Larry Wall resolveu reinventar a linguagem, simplificando-a e acrescentando novas características. Pelo que deu para ver na apresentação muitas das mudanças realmente são para melhor, contudo me preocupa uma mudança tão grande. Ok, ele disse que não houve preocupação com compatibilidade com versões anteriores mas que se criou um tradutor, para portar as antigas aplicações para a nova versão, mas mesmo assim se sabe que não existe tradutor perfeito. De qualquer maneira dá para dizer: o Perl vai ficar com uma sintaxe mais clara, de forma que vai ficar mais fácil de programar.

E quanto ao Jon \”maddog\” Hall e o The Future os GNU/Linux. Não sei dizer, já que resolvi não assistir. Fiquei do lado de fora da palestra, que mais parecia uma partida de futebol, de tanto aplauso e grito de êêêêÊÊÊ!!! Assim, fiquei trocando umas idéias bem interessantes com o pessoal da Apoena Software Livre, que me contou o que é a aventura de se desenvolver software livre e tentar viver disso. É interessante que eles acharam uma solução bem interessante para sobreviverem: eles são uma software house, certo? Certo. Então o que eles estão fazendo é desenvolver software para os clientes deles e depois que o mesmo está pronto o código-fonte é fornecido junto, deixando por conta da empresa contratante a iniciativa de distribuir ou não o código para outras pessoas. Um dos clientes da Apoena é o SUS de Campinas. Num projeto feito em conjunto com a IMA – Informática de Municípios Associados, o Departamento de Informatização da Prefeitura de Campinas e a Secretaria Municipal de Saúde de Campinas, foi desenvolvido o SOL – Saúde On Line, otimizando assim o atendimento a consultas. O sistema foi desenvolvido pela Apoena, e foi dada a opção para a prefeitura de Campinas fazer a distribuição. Segundo o pessoal da Apoena, eles querem pegar esse sistema e realmente distribuí-lo. Aliás, alguém pode se perguntar: mas se eles tivessem resolvido não distribuir o sistema, isso não seria anti-ético, contra os princípios da GPL? A resposta é não. O problema seria se a Apoena fizesse o software e resolvesse não entregar o código fonte para a Prefeitura de Campinas. Isso sim quebraria os princípios do software livre. Uma empresa trabalhar sob esses princípios não implica que todo e qualquer software que ele fizer tem que ser colocado à disposição do público em geral, mas sim que os seus clientes tem acesso total e irrestrito ao código do sistema para ele desenvolvido.

Bem, com isso acabou a minha participação nesse fórum. Valeu a troca de experiências, o fato de conhecer gente nova, casos de sucesso (e principalmente de fracassos, que são muito importantes para saber como não fazer), além de ver que o número de gravatas no evento aumentou consideravelmente, o que mostra que o Linux e o software livre em geral está deixando de ser uma coisa de universitários malucos para efetivamente se tornar uma ferramente de negócios e para a sociedade. Ufa!

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