Pois é, agora em abril andei passando uns dias de férias e fui lá para a casa dos meus pais, em Taquara. E das prateleiras de livros largados lá no quarto do fundo, que ficam juntos com coisas como edições das Seleções da década de 80, edições da revista Realidade e por aí vai, acabei desenterrando três livros do A. J. Lucas Camargo.
Se você ou um parente (meu caso) trabalhava no Banco do Brasil durante os anos 70 possivelmente você teve acesso a um desses livros. O Lucas Camargo era mais um dos membros do clube Bancários Que Escrevem S.A., que tinha por patrono o grande Stanislaw Ponte Preta (ou Sérgio Porto, se preferirem) e que acabaram legando para a literatura brasileira alguns bons momentos (ok, vi alguns terríveis também…). No final das contas esses livros eram comprados por colegas do banco e dali não saiam. Meu próprio pai comprou sem ler direito, mais por coleguismo do que por qualquer coisa. Sorte minha, pois no fim das contas tive contato com essas pequenas pérolas do humor (com especial destaque para o humor bancário), que foram “Todos para o banheiro e outras histórias”, “Alteza, isso é uma baixeza!” e “O preguicista”.
E foi de “Todos para o banheiro…” que eu catei a história O fundo do poço. É interessante ver que o autor do livro deu espaço para o amigo Delacir Mazzini dar um depoimento sobre como um conto que ele escreveu, da sua publicação original, circulou até aparecer na revista Visão e a sua incorporação ao inconsciente coletivo da época:
Circularam desse número do Satel-Jornal 20.000 exemplares, e a historinha seguiu seu destino. Por ter sido publicada em ocasião muito oportuna, foi reproduzida muitas vezes, e recortes dela circularam por aí.
Um dia ela apareceu numa coluna da revista Visão. Só que o redator da revista não mencionou a fonte. A historinha chegara às suas mãos em forma de recorte xerografado. Não foi mencionado o nome da Belgo Mineira, que o redator preferiu chamar de “dica de corretorâ€. E acrescentou mais algumas coisas por conta própria.
De qualquer forma, pelo menos mais de 100.000 pessoas tomaram conhecimento da historinha, que já agora, depois de circular por coretoras, financeiras e escritórios, passara a pertencer ao folclore do mercado de ações.
Naturalmente, chegou também ao público em geral, com distorções curiosas. Um dia por exemplo, um motorista de taxi me contou, como sendo fato verídico, a notíca de que um investidor, enlouquecido por ter ficado na miséria, tinha atirado o corretor pela janela do 15º andar… E acrescentou:
– Eu tive vontade de fazer a mesma coisa com o meu corretor. Naquele negócio de ações perdi um terreno que eu tinha em São Miguel Paulista, meu único patrimônio.
Como se pode ver essa história de uma estória ser apropriada pelo povo não é de hoje. Quando se fala de que um texto na Internet acaba sendo repassado adiante sem critérios quanto à autoria, com algumas mudanças e com ela fazendo parte da vida de algumas pessoas eu me lembro dessa história aí. Se a gente for ver a história não é nada genial, é sim uma boa crônica daqueles dias de euforia e desespero mas nada além disso.
E ela caiu na boca do povo.
Assim, se você de repente ver um texto seu ou de um amigo se tornando uma corrente via email, dê um soriso. É sinal de que o texto caiu no gosto popular. E se botaram o texto como sendo de autoria do Veríssimo ou do Jabor melhor. Tem elogio maior para um autor do que mostrar para ele que a sua obra merece ser escrito por um escrito famoso e não por um mero desconhecido?