1993. Foi nesse ano que eu vim morar em São Leopoldo pela primeira vez. Conversei com os meus pais, dizendo que gastar mais de 3 horas por dia indo de Taquara até a Unisinos era para matar, e eles resolveram me ajudar e me meteram numa pensão. Pensão essa bem do lado da prefeitura, de forma que eu estava a uns 50 metros da rua principal da cidade. Assim era pegar um livro, caminhar aquela uma quadra e meia e me instalar no MackBar, que na época era 24 horas e um dos lugares mais fuleiros do centro (na real ele nesse ponto não mudou muito…), onde eu ficava bebericando algumas garrafas de água mineral enquanto ficava ali, lendo. E lá fui fazendo amigos. Tinha o Nilo, o Giovano, o Maurício, o Marcelo, o Crai, toda uma gurizada que estudava na Unisinos e que estavam ali como eu, de passagem. E na nossa roda volta e meia aparecia um senhor, que entre um gole e outro de conhaque ou qualquer outra bebida que tivesse à mão nos mostrava seus desenhos super coloridos feitos em um pedaço qualquer de papel com giz de cera e que nos contava histórias com um sotaque meia acastelhanado, lá da fronteira. O nome dele? Luíz Brasil.
Eram bonitas as pinturas. E era comum ver elas por São Leopoldo. Qualquer restaurante tinha um quadro feito pelo Brasil pendurado na parede. Qualquer bar. Boteco? Tinha um quadro pendurado. Pizzaria? Lá tava o quadro do Brasil. Lembro que havia na Unisinos um mural maravilhoso desenhado por ele, num DA que depois foi demolido para a construção do Unilinguas. E ele desenhava e desenhava sem parar. Volta e meia, no meio da conversa, tirava uma folha de papel (às vezes uma folha de enrolar pão) e criava. Não foi uma ou duas vezes que ele se encantava com uma pessoa e dava uma de suas obras para ela. E ele contava histórias, muitas histórias. Histórias do tempo da ditadura, histórias da amizade que ele tinha com artistas, histórias de Mario Quintana, de quem ele gostava muito. Aliás é do Mario Quintana a lembrança mais forte que eu tenho do Brasil. Ele costumava contar uma história em especial, aquela de quando o Mario foi saudado por um leitor (no caso, um militar) que, resolvendo ser simpático, disse “Gostei muito de seus poeminhas” no que Quintana de bate pronto respondeu “Muito obrigado por sua opiniãozinha”. E o Brasil se exaltava, apontava para o céu e repetia “Opiniãozinha! Opiniãozinha!”, soltando um sorriso maroto.
Nos últimos tempos eu não andava vendo muito o Brasil. Nas poucas vezes que eu o via era comum ver ele prostrado, dormindo do lado de um copo, com a sua sacola cheia de papéis. Quando eu o encontrava acordado era comum ele olhar para mim, estalar os dedos e me dizer sorrindo “Charles Bukowski!” e cada um seguia seu caminho, depois de um rápido cumprimento. No mais, eu não sabia mais sobre ele. E eis que hoje fui ver o blog do Éver e ali vi que faleceu o Brasil. Sim, foi-se o pintor dos meninos de ruas e das prostitutas de São Leopoldo, foi-se o boêmio que não tinha limites e que se deixou engolir por eles. E se foi uma pessoa boa, que, numa mesa de bar, contava história e desenhava.
– Charles Bukowski!
– Buenas Brasil! Como vai?
– Como um passarinho! Como um passarinho!