Esses dias, na lista da Revista Zero (sim, a revista morreu, mas a lista está bem viva) acabamos entrando numa discussão sobre religião, em função das charges sobre Maomé que foram publicadas em um jornal dinamarquês. Bem, lá pelas tantas um dos membros da lista colocou que:
bem, pra mim a maior prova da força das grandes religiões é exatamente o tempo em que elas estão por aí: Judaísmo, Cristianismo, Islamismo, Budismo, Hinduísmo.
e esta força toda é um sinal, pra mim, de que elas têm algo de Divino – e este “Divino” vem exatamente como elas se apresentam pra grande massa dos fiéis.
Confesso que esse ponto, a da longevidade, me deixou realmente encucado. Afinal, o que faz com que algo baseado em conceitos abstratos como Deus, alma, etc, se mantenha por tanto tempo? Foi pensar nisso e ver que aí está um ponto que reforça algo que eu sinto a muito tempo: que os livros sagrados, os dogmas, são medidas de saúde pública.
Como assim? Seguinte: imagine o que se pensava sobre doenças antes do advento do microscópio, antes de se ficar sabendo que existiam bactérias, micróbios, vírus e todos esses pequenos seres que não são visíveis aos nossos olhos. Imagine as explicações que se tinham que dar para doenças, pestes, pragas. Pois é, qual era a explicação? No Ocidente é simples responder: é castigo de Deus. Você pecou e por isso Deus está castigando você. Não importa se você pegou uma doença depois de ter tido relações sexuais com um homem e não ter tomado banho depois. Isso não é um problema de higiene, é um castigo divino. Não importa se você teve um filho defeituoso por ter tido relações sexuais com a sua irmã, o que ocasiona problemas genéticos, mas sim que isso é um castigo. Praticamente quase todos os atos pecaminosos que a gente vê no antigo testamento estão relacionados com doenças e morte. E porque isso? Por que não se achava uma explicação para tais fatos, não se sabia o que estava acontecendo e tinha que se criar uma teoria.
Agora coloque-se no papel de um patriarca. Você tem que proteger a sua tribo, tem que orientar ela. O que você sabe sobre o mundo é baseado no que você tem observado por anos e anos. Você viu que quando um homem e uma mulher tem relações sexuais quando ela está menstruada acontecem coisas estranhas. Você não sabe dizer porque isso acontece, mas você tem que orientar as pessoas para que, naquele período, não sejam feitas relações sexuais. A mesma coisa diz respeito a atravessar um deserto. Você sabe que as pessoas e os porcos se alimentam de coisas semelhantes. Como convencer seu povo a deixar os porcos para trás, de forma a não competirem por comida? De que forma você pode fazer com que seja ouvido? A resposta é colocando a responsabilidade sobre um poder maior, dizendo que se tal e tal coisa for feita isso provocará a ira deste. Não, você não está metendo medo na alma dessas pessoas porque você é mau, mas sim você quer ajudar elas baseado no que você observou durante a sua vida, mesmo que às vezes você não consiga entender muito bem o do por que tal coisa acontecer.
Agora junte tais observações com as observações de outras pessoas. Junte e forme um todo que monta uma fé, uma religião. Enquanto tais observações se mostrarem válidas, a religião vai se manter forte. Contudo, ache uma outra teoria para explicar certas coisas e o que acontece? A velha religião começa a morrer. Quem controlava a febre e a necrose do corpo até o advento da penicilina? Quem controlava a fecundação até o advento da pílula? Quem controlava o desenvolvimento de tumores até a descoberta dos usos terapeuticos da radiação? Quem controlava a vida e a morte das pessoas? Pois é… É por essas que não desmereço as religiões. Elas eram tentativas de explicar o mundo, de lançar uma luz sobre o medo, de ajudar as pessoas, e tais tentativas foram feitas por pessoas que (eu realmente acredito nisso) tinham boas intenções. O problema é que no processo vários dogmas se criaram, e a partir dos dogmas surgiram abusos, extremismos, distorções várias, que trouxeram dor ao mundo, em vez de redenção.
E quanto a Deus? Bem, não sei, realmente não sei. Seria confortável acreditar em um poder superior, que nos guia e nos orienta, mas não tenho certeza se tal entidade existe de fato. Eu confesso que não acredito totalmente em Deus (e por Deus quero dizer aqui o Deus hebraico, o Deus cristão, o Deus islâmico, os Deuses hindus, todas esses seres maiores que regem a vida da gente) mas também confesso que não descarto Sua existência. Aliás, gostaria muito de acreditar que Ele existe, mas não consigo acreditar num ser que permite que seus filhos fiquem se matando em seu nome, seja ele qual for. De qualquer maneira, volta e meia eu rezo para o Deus cristão, Deus esse que é o da minha formação espiritual, pedindo proteção e ajuda, e com isso me sinto melhor. Sim, confesso que sou contraditório e confuso, mas fazer o que diante do fato de termos várias religiões? E se a religião na qual fomos criados não for a certa? E se a gente venera o deus errado? Como disse antes, que Deus é esse que permite que se faça tanto mal em Seu nome? Bem, de qualquer maneira, eu encontro conforto no rabino fariseu Hillel, que, alguns anos antes de Jesus aparecer na Terra, disse: “Não faça aos outros o que não quer que façam contigo. Esta é a Lei, o resto é comentário.” Pois é, não fazer aos outros o que não querem que nos façam. Pelo contrário: amar aos outros como nós nos amamos (e como fomos amados por uma pessoa em especial). Não é isso uma lição de sabedoria? No meu ponto de vista sim. Assim sendo, que importa de onde vem as doenças e as mazelas? Que importa de onde viemos e para onde vamos? Vivamos pois, e sem fazer o mal.