Marcela Cabral: não resta mais nada
São Leopoldo, dia dezenove de julho de dois mil e cinco. Quinze horas e trinta minutos.
O mundo acabou e quase ninguém viu.
Acordo de manhã pensando seriamente em voltar a dormir até às dez da noite, sorte minha ter feito ao contrário. Conecto para ler e-mails, scraps e afins. Vicente pergunta se irei ao show da Viana Moog de tarde. Não sei, respondo. Eu realmente não sabia se iria.
Meio dia tento ligar para a Ale, nenhum sucesso. Resolvo que a melhor saída era tomar um bom banho e dormir a tarde. Enrolo até às duas da tarde. Ale me liga perguntando que hora eu iria ao show e, por um impulso desconhecido respondo “Agora.â€
Encontro a Ale na frente no bar do Adair. “Vamos comprar vinhoâ€, ela diz. Eu respondo que sim. Meio litro. Tinto seco. “Vamos para o show antes que comece!â€. Fomos. Impossível beber o vinho, a vontade de vomitar era maior do que a vontade de beber. Ok, dois reais de entrada.
“Cara, Viana Moog na São Leopoldo Fest, que momento, hein?â€. Ale concordou comigo que algo estava errado ou que daria errado, só não respondeu. Chegando na frente do palco, encontramos alguns amigos e conhecidos. “Massa te encontrar aquiâ€. Foi quando o tempo estacionou para mim. Eu estava morrendo e ninguém percebia. Uma revolução mundial estava acontecendo e NINGUÉM ESTAVA ALI PARA VER. Aproximadamente trinta crianças e adultos da APAE alucinavam com a música. Muitas estavam embriagadas pelo som. Muitas sabiam que aquele era o dia e a hora de tudo mudar. Muitas estavam pulando sem saber que tudo estava parado ao redor. O mundo estava acabando e ninguém viu.
Minha primeira reação foi sentar e chorar. Eu SABIA que o fim dos tempos seria assim. Ou o começo de tudo. Só não sabia que eu poderia ver de perto. E EU VI. A segunda reação foi tentar localizar os meus amigos, eu precisava saber se aquilo era real. Se eu não tinha atravessado a rua e estava morta ou se aquilo era sonho e eu estava dormindo. Não, eles estavam lá, sorrindo e bebendo e não acreditando também.
Crianças e adultos pulavam e gritavam e dançavam e estavam jogados no chão e foi LINDO. Eles estavam muito felizes. E eu não acreditei que aquilo um dia poderia acontecer, Viana Moog tocando para a APAE na São Leopoldo Fest. A APAE inteira gritando “ATIRA EM MIM, ANTES QUE EU TE MATE†ou “EU ESTOU DENTRO DE DEUSâ€.
Já são vinte e duas horas e eu não me recuperei do choque, ainda. Nunca me recuperarei. São Leopoldo para mim não existe mais, um terremoto destruiu a cidade e o que restaram foram zumbis malditos e anjos sem cabeça.
Não filmaram, não tiraram fotos. Nenhum registro do momento que entrou para a história da cidade.
E tudo acabou com um “AEEE, mais uma banda capilé.†Ou nada disso aconteceu e foi apenas mais de um dos meus sonhos perfeitos.
A primeira imagem que me veio na cabeça foi uma versão acelerada do Svefngenglar, videoclipe belíssimo do Sigur Ros. Até que a Marcela me lembrou que certa vez Cramps tocou num manicômio.
Sim, aquilo lá deve ter sido lindo. E o que aconteceu hoje de tarde deve ter sido lindo. E eu perdi isso. Mas pelo menos fico feliz que meus amigos viram isso. Valeu prefeitura de São leopoldo por botar a Viana para tocar bem no meio da tarde, justo no meu horário de trabalho. Valeu.