Estava no sábado de madrugada indo para a casa dos meus pais quando começou um processo que acabou fazendo com que eu tirasse Naked, do Talking Heads, do limbo da minha pilha de discos e fosse escutar ele. A lógica é simples: ia caminhando, ouvindo o CD da Blanched quando começa a tocar \”Um palhaço no campo de concentração\”. Na mesma hora imaginei uma animação, com operários trabalhando, realizando movimentos sincronizados. O que mais me chamou a atenção é que tais operários tinham a cara do Unabomber. Eles trabalhavam feitos loucos, a camera acompanhando eles no seu transporte sem sentido de caixas e mais caixas. Eu ouvia as camadas de guitarras se sobrepondo e ficava imaginando a loucura de toda uma sociedade mecanicista, presa numa cadeia produtiva auto-destrutiva. Não foi uma ou duas vezes que voltei a música para ficar submerso naquele pesadelo ludista.
E porque o Unabomber? O que o senhor Theodore Kaczynski tem a ver com a Blanched e a sua música? Não sei, mas fico pensando nele como um bobo da corte nesses tempos de automação máxima que vivemos. Sim, um bobo da corte cruel, desesperado, capaz de fazer uso do terrorismo contra pessoas que são simples engrenagens dentro do sistema. Mas vale lembrar que toda a corte tinha um bobo não apenas para divertir o rei, mas para passar recados para ele, para lembrá-lo de que todo poder tem limite. E o que é um palhaço dentro de um campo de concentração? É uma incongruência tão grande quanto o Unabomber. E eis que fui procurar pelo manifesto dele e no caminho achei o texto Porque o futuro não precisa da gente, do Bill Joy. Foi ler esse texto (que cita o Unabomber) no caminho de casa para, subindo as escadas, lembrar dos versos \”monkey see monkey do\”. É aí que entra o Talking Heads.
Naked com toda certeza é o álbum mais fraco da discografia da banda. Apesar da produção impecável o disco é fraco, com músicas onde se percebia que a banda estava perdida, apostando suas fichas na world music mais uma vez (a primeira vez tinha sido no excelente Fear of Music) numa esperança de renovação. Não deu certo e o máximo que a banda conseguiu foi criar uma música de trabalho chata que é (Nothing But) Flowers. Contudo mesmo um disco ruim do Talking Heads é um disco melhor que muita coisa que se ouvia por aí, e pode-se dizer que havia ali uma pérola ali, e justamente uma pérola neo-ludista: a música The Facts of Life. Tivesse o Talking Heads levado o disco para o caminho aberto por essa com certeza teríamos uma obra com a mesma importância do Ok Computer do Radiohead (banda que por sinal tirou seu nome de uma música de quêm? De quêm? Pois é…). Mas não, parece que a banda esperava repetir o sucesso comercial dos trabalhos anteriores (Little Creatures e a trilha sonora de True Stories) e resolveu apostar suas fichas em coisas como Mr. Jones. Um erro, um grande erro. Não é de espantar que a banda tenha acabado com o David Byrne enveredando no mambo (ARGH!) e o resto da banda afundando naquela coisa chamada The Heads. Total e completa perda de rumos!
Mas enfim, o importante aqui é a letra de The Facts of Life:
Mon key see and mon key do
Ma king ba bies, ea ting food
Smel ly things, pu bic hair
Words of lo ve, in the air
Sparks fly, shoo ting out
Ma king sure that eve ry thing is wor king
I can\’t turn you down
We are pro grammed hap py lit tle chil dren
Mat ter o ver mind
We can not re sis so I won\’t fight it
Love is a ma chine
Love is a ma chine without a dri ver
The facts of life
The facts of life
A masterpiece
Biology
Smokey water
Air conditioned
Boys \’n\’ girls
And automation
Chromosomes
Designer jeans
Chimpanzees
And human beings
Machines of love
Machines of love
Strong in body, strong in mind
A love machine with the facts of life
The facts of life
The facts of life
So much sex \’n\’ violence
Must be a bad design
We\’re stupid to be fighting
Every night
The monsters we create
They welcome us aboard
The best in advertising
From coast to coast
The girls and boys combine
Like monkeys in the zoo
The clouds have silver linings
Looks pretty good
People fall in love like in fairy tales
I\’m not sure I like, what they can do
I\’m afraid that God has no master plan
He only takes — what he can use
Factory life, ice cream & pie
Factory life
Someday we\’ll live on Venus
And men will walk on Mars
But we will still be monkeys
Down deep inside
If chimpanzees are smart
Then we will close our eyes
And let our instincts guide us
Oh oh oh oh no
\”Ma king sure that eve ry thing is wor king\”… Engrenagens… A sensação de falar de um problema e com isso agredir involuntariamente uma pessoa que vê o problema como algo indispensável para a sua sobrevivência. \”Machines of love\”. E as guitarras se sobrepõem, e ao palhaço não sobra nada além de fazer sorrir na divisão do prazer.