O Globo: Brahma, leva eu…
Uma bomba sacudiu ontem à noite o mercado brasileiro de cerveja: o cantor Zeca Pagodinho, estrela da maior campanha de publicidade em exibição no país, trocou a Nova Schin pela Brahma. As duas são arqui-rivais num dos mais disputados setores da economia, que envolve cifras milionárias. Como pano de fundo desta briga, há um outro ingrediente, não menos relevante: a guerra particular entre Nizan Guanaes (das agências MPM, África e DM-9), e Eduardo Fischer (presidente da agência Fischer América), dois dos maiores publicitários brasileiros.
O comercial com Zeca Pagodinho tomando a sua primeira Brahma depois de ter virado garoto-propaganda da Nova Schin foi ao ar ontem, no intervalo do “Jornal Nacional”, da TV Globo. Foi uma operação sigilosa conduzia por Nizan em apenas um mês e meio, desde que se encontrou pela primeira vez com o pagodeiro, dia 4 de fevereiro, na casa dele em Xerém. Os dois passaram a tarde inteira conversando e descobriram inúmeras coincidências pessoais, como a mesma idade, a devoção a Cosme e Damião e o gosto pela cultura popular. Nizan fez uma longa e apaixonada defesa do valor do gosto popular no Brasil, concluindo com uma de suas frases de efeito:
— No Brasil, a cultura popular venceu.
E acrescentou, no mesmo tom:
— Nunca mais Noel Rosa vai morrer pobre neste país.
Música sobre amor verdadeiro foi golpe final
Regada a cerveja (Brahma), a conversa teve um detalhe importante: não falaram em dinheiro. Segundo Nizan comentaria depois com as pessoas de sua agência, este era o último assunto que queria tratar com o pagodeiro, já que isso não era importante numa negociação deste tipo:
— Tudo o que eu oferecesse a ele, o outro lado poderia dobrar, tranqüilamente. Então, isso foi apenas um detalhe.
O argumento de Nizan Guanaes para Zeca Pagodinho foi então o seguinte:
— Eu tenho a única coisa que eles não podem te oferecer, a Brahma, a cerveja que você toma.
E aparentemente foi o que pesou na decisão de Zeca Pagodinho. Nos últimos eventos públicos em que aparecia, sempre fazia questão de brincar indiretamente com isso, embora estivesse sob contrato da Nova Schin. Chegou a fazer gestos com alusões à cerveja rival. Neste mercado não há amadores, a guerra é total: os olheiros da Brahma estavam atentos a tudo e recolheram um farto material com histórias do cantor mostrando-se arrependido. Foi isso que motivou a investida. Numa das conversas, o pagodeiro chegou a desabafar:
— Não agüento mais ter que beber escondido a cerveja que eu gosto.
A preocupação de Zeca era grande, não queria ser acusado de traidor e nem fazer leilão com a Nova Schin — também sabia que eles pagariam quanto quisesse. Quando aceitou o convite, nem levou a proposta aos donos da empresa e nem ao publicitário Eduardo Fischer. Eles souberam da mudança como todo mundo: após o anúncio na televisão, ontem.
Depois desta primeira conversa com Nizan, o cantor estava seduzido mas ainda não convencido. Pelo lado de sua carreira musical, também estava em processo de mudança, com novas empresárias. E a opinião delas foi importante. A conversa definitiva, na qual se bateu o martelo, foi sem a presença de Nizan – presença física, já que ele mandou pelas mãos de Bia Aydar (presidente da agência MPM) e Alex Lerner (da assessoria H2M) um argumento que amoleceu de vez o coração do pagodeiro: a letra de uma música falando do verdadeiro amor das pessoas pelas coisas das quais realmente gostam. Foi esta música de Nizan que Zeca Pagodinho cantou, com pequenos ajustes, ontem à noite na televisão.
Convencido o cantor, foi armada uma operação de guerra para gravar, em sigilo, o comercial divulgado ontem. O que não foi fácil, já que havia 40 figurantes envolvidos na gravação, num estúdio em Grumari, na quarta-feira. Todos tiveram que entregar seus celulares e assinar um contrato com cláusula de sigilo. Deve ter sido um dos raros casos em que um segredo foi guardado por mais de cem pessoas.
O filme foi finalizado numa produtora que funciona na residência em que Machado de Assis casou, no Cosme Velho. O que motivou um último comentário de Nizan:
— Espero que o mulato nos abençoe.
Nem entro em discussões sobre a conduta ética do Nizan, mas o caso é que tenho que tirar o chapéu para a atuação do cara. \”Tudo o que eu oferecesse a ele, o outro lado poderia dobrar, tranqüilamente. Então, isso foi apenas um detalhe.\” é perfeito! Não adianta ir lá encher uma pessoa de dinheiro se isso vai contra o que ela é. Ok, sabemos que o Nizan só veio com esse papo porque ele viu que o Zeca pagodinho tava insatisfeito com o papel de garoto propaganda da Schin (quem não ficaria?), mas mesmo assim a argumentação é de tirar o chapéu.