O Leandro Vignoli, digníssimo colega do Gordurama, escreveu para o ezine Coquetal Molotov um artigo sobre as bandas aqui da região. Infelizmente o webdesigner do Coquetel nunca usou o Mozilla, de forma que reproduzo aqui o artigo para aqueles que usam browsers que seguem os padrões da web. Maldito Internet Explorer!
Distorções de Porto Alegre
Na região metropolitana de Porto Alegre, fica localizada uma série de cidades industriais. O chamado Vale do Rio dos Sinos se destaca por ser o maior pólo do setor coureiro-calçadista brasileiro, possuir a principal base militar aérea do país, uma fábrica da Petrobrás, entre outras grandes produtoras de fumaça e cheiros podres diversos. Um local estratégico para ser alvejado com bombas numa suposta guerra, eu diria. Porém, no começo deste milênio, também começaram a aparecer na região bandas de tudo que é canto, dos mais variados estilos – embora algumas sejam bem anteriores a esta época. De algum modo meio peculiar [e imperceptível], o público freqüentador de shows começou a se consolidar com bastante força, e com postura muito diferente da costumeira galera bunda-mole que curte rock na capital. Em vez dos tradicionais braços cruzados com aquele único copo de cerva esquentando na mão a noite toda, o pessoal do Vale faz festa e pogos, dança, empurra, confraterniza, se diverte, enche a cara, até, sem muitas caretas blasès. Pouco a pouco esta “atitude” começa a ser notada por todos, inclusive por bandas de POA, que cada vez mais fazem questão de tocar na região e [ou] na capital ao lado de bandas destas cidades. Apertem os cintos, portanto, distorções sairão página afora a partir de agora.
Viana Moog [São Leopoldo] – Com uma das melhores performances do país, aos poucos – e bem aos poucos – a Viana Moog virou uma espécie de culto na região. Shows sempre lotados, com hordas de fanáticos e outros nem tanto, gente de glitter sobre as pálpebras, caindo pelas tabelas, e chinelagens diversas, quando este combo proletário está em cima do palco, a catarse coletiva se instala de imediato. Caso você pense que esta frase é apenas um adjetivo pomposo elaborado a esmo, pode acreditar, que na verdade, a Viana Moog poderia [e deveria] mesmo, era chegar no estrelato. O som da banda transpira energia, sujeira, com guitarras esporrando microfonias por todos os lados, numa absorção plena da barulheira bem feita, com direito a alguns riffs dos mais violentos, e de grude instantâneo. Lampejos de um MC5 ainda mais chapado se misturam ao pós-punk entorpecido na linha de The Fall, e mais, noise, garage, Madchester [porra, é verdade, até isso!], e obscuridades nacionais dos anos 80, como Virna Lisi, Fellini e Picassos Falsos. Tudo isso reunido em grandes retalhos de influências que conseguem beirar a sonhada originalidade. A banda, ao vivo, passa por cima dos percalços da péssima qualidade de gravação de seu álbum independente, “Boemia Adolescente Após Os 30”, de 2002 – motivo que, de certa forma, gerou uma quantidade pífia de resenhas publicadas em zines/revistas/afins, e [ou], a execução das músicas em rádios dispostas a fazê-lo. Todas músicas são diretas, coesas, tocadas em poucos minutos, com letras que distribuem balaços como ‘atire em mim antes que eu te mate’. Aliás, todas as letras são compostas de frases curtas, que carregam sarcasmos e auto-ironias, numa espécie de poesia ácida e amarga a toda prova. Nos inúmeros shows ao longo do último ano [ao lado de bandas tradicionais do underground gaúcho como Walverdes e Space Rave, ou de fora do estado, como Lava-SP e Deluxe-RJ], coros são presenciados sob o inferno distorcido e inconseqüente que sai dos amplificadores. E o que mais se espera de uma banda boa, se não, fazer com que um bando de maloqueiros maltrapilhos cantem todas as suas músicas, isso, ao lado de indies gravatinhas, grunges sebosos, e até os mods, todos juntos, em confraternização? Não muito mais que isso, acho. O vocalista da banda, Cidade, é um frontman de verdade, como pouquíssimos, mesclando a genialidade de cacoetes disfuncionais do tipo quero-ser Mark E. Smith, à atitude loucurama junkie-poser-rock-star. Atolada de canções novas [muito mais do que fodonas], em 2004 a Viana deve entrar em estúdio para outra gravação, além de uma passagem ainda não confirmada por São Paulo no mês de março – expandir os pagos certamente era mais do que um dever do grupo, então, caro leitor, não rateie e compareça, se pá. Para fins de “a gente também é cultura”, Vianna Moog é o nome de um romancista já falecido de São Leopoldo, que, inclusive, foi membro da Academia Brasileira de Letras, num tempo em que isso não era tão vergonhoso. Agora que conhece uma puta banda afudê, é só sair no sapatinho. Viana Moog: Cidade – Vocal; Márcio – Guitarra; Cris – Guitarra; Júnior – Baixo; Mac – Bateria; Tisco – Sintetizador.
Contato: www.vianamoog.kit.netScreams of Life [Esteio] – Em algum ponto da história conteceu um enorme big bang na trajetória da SOL, e de uma banda hardcore tradicional fomos chegar nisso que ela se transformou hoje em dia. Um tanto melhor assim, afinal, quem realmente precisa do HC, além de skatistas e adolescentes? Algum straight-edge, talvez, embora estes nem contem. Mas o fato é que esta enorme criatura gerada pelos caras da Screams Of Life está calcada na irracionalidade. Barulhento como poucos, o grupo constrói suas melodias sob camadas de distorção e microfonia, bateria em ritmos de descompasso perto do inacreditável [imagine Steve Shelley tocando no formato jazz uma música do Fugazi], em canções que podem ultrapassar os dez, quinze minutos, sem que você perceba. Não há espaço para aquela entediante repetição de interlúdios de guitarradas alto-baixo-alto-baixo, ou, tão pouco, para “crescendos” instrumentais, muito em voga em bandas nesta linha de esmero experimental, vanguardista, pós-rock, ou sei lá que outro rótulo estúpido mal criado. As músicas da SOL constituem-se de uma eloqüente massa sonora, causadora de paralisia instantânea, mais ou menos como se caísse na tua cabeça uma geladeira arremessada do quinto andar de um prédio. As letras, em português, elevam o simples cotidiano à condição de suprema importância da vida, como o paradoxo de beleza e perigo ao se caminhar pelas ruas de uma cidade grande numa madrugada qualquer, e coisas deste tipo. Frases soltas que aparecem vez ou outra, de forma eficaz, sem maiores interferências no grandioso arroubo instrumental. Neste começo de 2004, a banda lança seu álbum de estréia, “No Descompasso do Transe, Retalhos do Meu Silêncio”, após alguns bons cinco anos de espera do seu público fortemente fiel. O disco contará com a presença de dois membros do Sexteto Blazz, comboio porto-alegrense de músicos de jazz, um lance de intelecto quase marginal. Gritos de Vida. Talvez seja apenas este o sentido dela mesmo. Screams of Life: Felipe Martini – Baixo, guitarra, vocal; Roger Canal – Guitarra, baixo, vocal; Marcelo – Bateria; Tetsuo – Percussão.
Contato: felipemartini@terra.com.brBlanched [Novo Hamburgo] – Após algumas trocas de formação no último ano, a Blanched aparenta ter encontrado o rumo definitivo na proposta que ambiciona traçar. Com sua sonoridade encravada cada vez mais naquilo que se convencionou chamar de pós-rock, o estilo pode servir tanto para o bem quanto para o mal – numa estética modorrenta como esta, ou se tem uma adoração irredutível, ou acha o lance as fezes mais cheias de mosquinhas entre todas. Em letras que falam, sobretudo, de sentimentos [seja quais for] projetados direto da [e para] alma, se as palavras te pegarem na medida certa, bingo, pontos pros caras. Antes de qualquer interpretação mais objetiva sobre a banda, o próprio letrista e vocalista, Leonardo Fleck, antecipa num quase hit entre freqüentadores de shows: “tristes dos que procuram dentro de si respostas, porque lá só há espera”. Pelo presente momento, a Blanched está mais para as perguntas, no entanto. As músicas sugerem aquela dualidade ímpar, com extremo senso melódico e ao mesmo tempo super pesado [que permitem o uso de três guitarras distorcidas em conjunto], fazendo alguns incautos até balançarem a cabeça para frente e para trás nos shows, feitos legítimos fãs de Slayer. Passagens perto do inaudível se alternam a momentos doces, em harmonias de flauta transversal simplesmente essenciais. Após um rodado EP de estréia, “Ter Estado Aqui”, em 2004 a banda entra em estúdio para gravar seu novo álbum, ainda sem nome, mas com produção de Marcelo Fruet, super requisitado na difusa cena [sabe, a cena?] porto-alegrense. Na real, o jargão final sobre a banda poderia ser este, único e definitivo: se você não dormir ao escutá-los, poderá curtir para sempre. Blanched: Leonardo Fleck – Vocal, guitarra, baixo; Douglas Dickel – Guitarra; Daniel Galera – Baixo, guitarra; Marcelo Koch – Bateria; Priscila Wachs – Flauta Transversal; Muriel Paraboni – Teclados, guitarra.
Contato: www.blanched.net
Pois é, boa, só achei que faltaram mais algumas bandas aí. Mas que as três são grandes representantes do som que se faz aqui na região não há dúvida nenhuma.