Pequena história real de uma neurose musical

Falando em King Crimson lembrei de um artigo que enviei para o finado Cardosonline e que saiu no número 179 (de 10/07/2000) do mesmo. Acho que até vale a pena dar uma lidinha, apesar da redação tosca que eu tinha ne época (confesso que não melhorei muito):

Pequena história real de uma neurose musical

Você às vezes tem uma música que fica presa na sua cabeça, que não sai de lá de jeito nenhum? Pois é, eu não sei como é com as outras pessoas, mas quem tem que me agüentar no dia a dia logo vê que eu tenho esse pequeno problema. Na maior parte das pessoas isso não chega a ser algo sério, mas para mim é algo perturbador, que fica martelando a minha cabeça e que às vezes me enlouquece. Músicas como Ana Júlia e Chibombom para mim são um verdadeiro tormento, para mim e para as pessoas que estão à minha volta, já que eu fico cantarolando elas. Geralmente tal música fica pouco tempo na minha cabeça e depois some. Mas também pode acontecer dessa música ficar dias, até semanas. A questão de 6 meses atrás, eu não parava de ficar cantarolando “Ô Ana Júliaaaa…” Tinha gente na minha volta que queria me enforcar. Para a música sair da cabeça, só ouvindo a música umas 10, 15 vezes seguidas que isso passa. Me curei do Ana Júlia quando comprei uma revista ShowBizz que tinha um Cd onde estava a desgraçada da música. Já o Chibombom, para a minha sorte, passou por conta própria, já que seria insuportável ouvir aquela coisa mais de duas vezes seguidas. Mas isso diz respeito àquelas músicas que são verdadeiros vírus músicais, que se instalam na sua cabeça e não te dão prazer algum, mas sim que só ficam atormentando.

Bom é quando uma música boa se prende na cabeça e ali fica, germinando, crescendo, ocupando espaços e mostrando todos os seus detalhes. É aí que eu posso ficar horas e horas ouvindo a música, pegando todos os detalhes dela, todas as nuances, me deleitando. Até hoje, a música que eu mais gostei de destrinchar filigrama por filigrama foi “Mother”, do Sugarcubes, que durante dias fiquei com o CD-Player programado em auto-repeat, com só aquela música no playlist. Se alguém colocar a música sou capaz de apontar o momento exato em que a voz da Bjork se adianta ao wallsound perfeito criado por Bragi, Einar, Siggi e Thor. O caso aqui é que eu tinha o CD para ficar horas e horas ouvindo. Assim como eu tinha o CD para ficar horas e horas ouvindo “The Rapture”, faixa titulo do ótimo CD da Siouxsie & The Bashees, produzido pelo John Cale e que sabe-se lá por que praticamente não tocou nas rádios daqui do Sul. Não, não tocou nem na Ipanema FM… O único caso de um CD inteiro que eu fiquei destrinchando foi o “Ok computer”, do Radiohead (excetuando a primeira música).

O problema se dá quando não tenho o CD e tenho que procurar por aí, para poder dar descanso para a cabeça. Sim, descanso, já que enquanto eu não puder ficar horas e horas destrinchando a música ela fica ali, no cantinho do cérebro, surgindo de vez em quando, se tornando, por incrível que pareça, algo incômodo. É por isso que eu adoro a MTV, já que sempre coloca o nome da música que está tocando e o nome do CD. Lembro que fiquei com “Never There” dias na cabeça, até assistir na MTV o nome da banda e saber onde podia encontrar a música, já que o ótimo inglês do pessoal que trabalha em rádio aqui no Sul sempre me fazia entender que o nome da banda era “Queigi”… Como o k de Cake ficou com som de g para mim é uma incógnita que desafia a minha compreensão do inglês. O fato é que foi graças à MTV que finalmente descobri que música era aquela.

Agora imagine o seguinte: o ano é 1988 e você tem 17 anos. Você costuma dormir no sofá da sala da frente da sua casa, onde há um belo aparelho de som Polyvox, e este aparelho está geralmente sintonizado na Ipanema FM. Uma bela noite, com você naquele estado meio dormindo meio acordado, eis que toca uma música que chama a sua atenção, a ponto de te despertar totalmente. Você acha ela bárbara, perfeita, uma pérola comparável a “Listening Wind”, do Talking Heads, apesar de ser completamente diferente. Um som que fugia totalmente do convencional, que tinha um vocalista incrível com um guitarrista melhor ainda. Pois bem, essa música foi a última do Clube do Ouvinte daquela noite, e você não conseguiu entender o nome da música e da banda, já que você essa época não entendia uma palavra que fosse em inglês excetuando o verbo to be. Pois é, foi isso que aconteceu comigo. Na hora achei a música muito legal, boa, e me virei no sofá e voltei a dormir. O problema apareceu umas duas semanas depois, quando percebi que aquela música não saia da minha cabeça. Não saia e ficou ali martelando, aparecendo nos momentos mais estranhos, chamando a minha atenção. Levando em conta que quando eu ouvi eu estava meio que dormindo e não peguei muitos detalhes, isso tornou impossível poder chegar numa loja de discos (estávamos em 88, lembre-se disso) e perguntar “Olha, você conhece uma música que é assim assim assado?” Não, não dava, até porque os detalhes que eu lembrava eram das partes mais intrincadas da música, as mais complexas.

Num primeiro momento até achei que fosse uma música do Talking Heads que tivesse a participação do Robert Fripp, do King Crimson, já que o vocalista tinha um jeito esquizofrênico de cantar muito parecido com o do David Byrne. Essa hipótese não era de todo absurdo até por que os dois já haviam trabalhado junto no LP “Fear of Music”, com destaque na música “I Zimbra”. Quero dizer, eu achava que era o Robert Fripp, mas não tinha certeza alguma, até porque dizer que um guitarrista de uma música era o mesmo guitarrista de outra baseado só numa audição é algo completamente fora de órbita. E para complicar, do King Crimson nem com reza braba você conseguia encontrar um disco prá vender aqui no Brasil. Só se encontrava o “In the court of the crimson king”, que foi gravado lá em 1969. É claro que o Clube do Ouvinte ainda tinha dessas particularidades: tocavam-se discos que não tinham sido lançados no Brasil. Resumindo: tava num mato sem cachorro, já que na época eu não tinha (e ainda não tenho) dinheiro sobrando para ficar importando discos, ainda mais para ficar procurando uma música que eu não tinha certeza de quem era, quem tocava, etc…. Pois bem, os anos passam, e aparece uma tal de Internet. Daí, apareceu o MP3. Para melhorar, apareceu o Napster. Isso é história mais que conhecida, contada e recontada todas as semanas nos suplementos de informática dos jornais. E é claro que foi aí que eu ví que estava a minha chance de encontrar a tal música. E assim foi feito: sempre que eu estava conectado em casa, fazendo algo que não obrigasse uso realmente exclusivo da rede, lá estava o Napster aberto procurando por arquivos de músicas do Talking Heads da fase inicial, quando eles foram produzido pelo Brian Eno e que resultaram nos seus melhores trabalhos. Não achei nada que confirmasse que o vocalista era o David Byrne, de forma que passei a procurar por músicas do Robert Fripp e do King Crimson. Não conseguia tirar da cabeça a idéia que era ele que tocava naquela música, e isso que não sou nenhum admirador de guitarristas e seus estilos. Mas o fato é que o Robert Fripp realmente toca de um jeito extremamente pessoal. Eu não tinha a certeza se aquela música era realmente deles, como já disse antes, mas por que não tentar? O pior que podia acontecer era ter um monte de músicas boas gravadas no HD.

E assim foi feito. Horas e horas de download, de transferências
interrompidas, de arquivos mal gravados, de arquivos de 12 Mb levando horas para serem baixadas (bendita seja a tarifa única no fim de semana) até que… a história chega ao seu fim! Sim, eu encontrei a música. Sim, finalmente eu ouvi de novo aquela música que eu ouvi a 11 anos atrás, e que ficava alí num cantinho do cérebro chamando a minha atenção, lembrando que ela existia. Para a minha surpresa, o guitarrista era realmente o Robert Fripp, a banda era realmente o King Crimson. Assim, eis que agora “Three of a perfect pair” está agora sendo executada no meu computador pela n-ésima vez. E foi graças ao computador e às redes que agora posso ouvir essa música, algo impensável a 11 anos atrás… E quanto à música, é a melhor coisa que o King Crimson já fez? Não, não é, mas de qualquer maneira é muito boa, e fico feliz de ter ficado com ela tanto tempo na minha cabeça.

Há certas neuroses que não são tão ruins assim.

E o detalhe interessante é que só esse fim de semana me toquei de uma coisa: o Adrian Belew, que era o vocalista do King Crimson na época do “Three of a perfect pair”, já foi guitarrista do Talking Heads também. É interessante ver como ele realmente pegou o jeito de cantar do David Byrne…

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