Carta Capital : O trompete e o celular
O registro é de David Hajdu, para a edição de março da revista The Atlantic Monthly. Momento: final de verão em Nova York. Local: o tradicionalíssimo clube de jazz Village Vanguard. No palco, Charles McPherson, um saxofonista talentoso, porém não exatamente uma estrela, toca clássicos do bebop. Mas quem seria o trompetista discretamente sentado ao lado? A figura lembra um pouco Wynton Marsalis… Começa a quarta música, uma balada chamada I Don’t Stand a Ghost of a Chance With You, tocada em solo pelo trompetista. Não há mais dúvida: o homem no palco é realmente Wynton Marsalis! A música é triste e melancólica e o trompete murmura as palavras em forma de notas. No clímax, Marsalis toca lentamente a frase-título, esperando que cada nota reverbere no fundo da sala. “I don’t stand… a ghost… of… a… chance…”
O silêncio além do trompete é absoluto. Então, no ápice, dispara o criminoso beep de um telefone celular. Catástrofe: a magia é arruinada. O delinqüente foge lépido com sua “arma” enquanto o burburinho na platéia aumenta. No palco, Marsalis continua imóvel, as sobrancelhas em arco. Então, seu trompete reproduz o macabro som ritmado do celular. Ele repete o som e começa a improvisar e adicionar variações. A audiência pouco a pouco volta ao palco. A improvisação evolui por alguns minutos até voltar à forma da balada original. Marsalis termina exatamente onde havia parado: “with… you…” Grand finale!
Genial! E vai lá e lê o resto do artigo, e entenda porque quando um metaleiro vem na minha frente e diz que o cara que sabe ficar fazendo solo é bom músico eu respondo perguntando \”Ele toca jazz?\”. Afinal só no jazz, pelo fato do improviso ser moeda corrente, para mostrar que alguém realmente sabe o que está fazendo. Só no jazz? Ok, radicalizei, mas o fato é que se não há improviso o que temos é posições decoradas, solos mecânicos, algo completamente artificial, sem emoção. E é por isso que shows perfeitos não me dão entusiasmo. Prefiro ouvir uma banda fazendo chinelagens e rateando do que vendo algo que foi milimetricamente planejado. Aliás, gosto também de ver o público participando, pulando, subindo no palco volta e meia para cantar junto, interagindo. Pedidos de música? Também vale! Mostra que o público não é uma massa passiva que aceita tudo, e até dá espaço pros músicos irem lá e tocar o que foi pedido de forma escabrosa. Quem tiver senso de humor entenderá.
Mesmo assim, espero não ver nenhuma improvisação em cima de telefones celulares nos shows que eu vou… Sim, porque uma coisa é participar, outra é falta de respeito. E celular é falta de respeito, assim como o é não entender que aquele show ali, naquelas circunstâncias, não é uma sessão dos maiores sucessos do Raul Seixas.
E a César o que é de César: vi que havia esse artigo na Carta Capital no blog do MarioAV. Valeu!
Update: pois é, não estranhe se você ver esse post lá no blog do Apanhador. Decidi botar lá para ver o que o povo vai comentar. Aliás, se você quer fazer algum comentário sobre isso faça lá 😉