Uma porta de cada vez

Entre os vários gêneros de filmes produzidos nos Estados Unidos há um que é conhecido, de forma pejorativa, como “doença da semana”. É um tipo de filme que, normalmente, é produzido para a televisão, sem muito orçamento, contendo a história de uma pessoa que luta contra uma doença qualquer, ou que se recupera de um acidente. Muitos desses filmes são descartáveis, na melhor das hipóteses, não apresentando nada que leve alguém a assistir tal filme a não ser o desejo de ver uma história de superação. São raros os filmes do tipo que se destacam e saiam da raia comum da mediocridade.

E Temple Grandin, filme de 2010 produzido pela HBO Films para o canal HBO, é um desses raros filmes. Conta a história de Grandin, uma americana que aos 4 anos de idade é diagnosticada como autista, acompanhando seu desenvolvimento da infância até a vida adulta, quando consegue se formar em psicologia. Mostra ainda a sua luta contra o preconceito que enfrentou no início do seu trabalho como zootécnica, quando desenvolveu os primeiros currais circulares que respeitam o nome de pensar do gado e que, por conta disso, tornam a lide menos traumática para o animal. E assim, “abrindo uma porta de cada vez” (como costumava dizer o professor de ciências de Grandin), ela vai conquistando o seu espaço e ajudando a desmistificar a sua doença junto à sociedade.

E o que faz com que esse filme fuja do sentimentalismo e se destaque? A resposta está em Claire Danes, que até esse filme era mais conhecida por fazer o papel de Julieta na modernização Romeo + Juliet (1996), onde contracenou com Leonardo DiCaprio. Sua interpretação de Grandin é primorosa, no mesmo nível do Raymond Babbitt interpretado por Dustin Hoffman em Rain Man (1988), e recebeu merecidamente vários prêmios, incluindo o Emmy e o Globo de Ouro de melhor atriz. Ela consegue encarar de forma convincente um personagem cheio de tiques e maneirismos e que, nas mãos de um artista menos capacitado, poderia ser retratado de forma caricata. Um excelente trabalho, que merece ser conferido.

Dura lex sed lex

Semanalmente eu devo escrever um texto qualquer para a disciplina de Produção de Texto e ontem resolvi escrever algo que sinto que meus amigos que participam do Massa Crítica não vão gostar muito…

Dura lex sed lex

O habeas corpus, da expressão latina “Habeas corpus ad subjiciendum” (que pode ser traduzido como “Que tenhas o teu corpo”), é uma garantia constitucional que tem por finalidade evitar a coação à liberdade de locomoção decorrente de abuso de poder ou ilegalidade. Ele pode ser liberatório, destinado a afastar constrangimento ilegal à liberdade de locomoção já existente, ou preventivo, concedido diante de uma ameaça à liberdade de locomoção. A Constituição Federal garante a qualquer pessoa o direito de impetrar o habeas corpus em seu favor ou de terceiro, bem como pelo Ministério Público, não sendo necessária a representação por advogado nem tampouco de folha específica. Ainda que preso por “justa causa”, isto é, em flagrante delito ou de cumprimento de ordem judicial, é direito de todo cidadão responder o processo em liberdade.

Muitas vezes a concessão de habeas corpus é motivo de polêmica. Por exemplo, em 8 de abril de 2011 o desembargador Odone Sanguiné concedeu habeas corpus a Ricardo Neis, o funcionário público que em 25 de fevereiro jogou seu carro contra ciclistas que trafegavam pelas ruas de Porto Alegre e que, por conta do seu ato, responde por 17 tentativas de homicídio triplamente qualificadas. Sanguiné argumentou que não há qualquer indicação concreta de que Neis, se mantido em liberdade, ameaçaria testemunhas ou vítimas ou que destruísse provas, de modo que mantê-lo preso equivaleria à antecipação de pena e violaria os princípios de presunção da inocência e da imparcialidade do julgador. Tal argumento não foi aceito pelas vítimas, que se organizaram e fizeram no dia 11 de abril uma manifestação em frente ao Palácio da Justiça, no centro da capital gaúcha. Não faltaram durante o ato acusações de influência política e econômica, e se clamou por justiça.

Contudo, a justiça foi feita. Por pior que tenha sido o delito de Ricardo Neis ele, como cidadão, tem direito ao habeas corpus. Mesmo que isso cause indignação nas vítimas e nos familiares e amigos destas, a Justiça não pode retirar o direito de uma pessoa, principalmente um direito garantido na Constituição. Caso a Justiça o fizesse ela estaria abrindo um precedente perigoso, onde ficaria valendo quem grita mais, e não o que está escrito. Pode-se contestar o que está na lei, mas isso se faz através do processo democrático, não através de protestos e manifestações. É triste dizer isso para as vítimas, mas a lei pode ser dura mas é a lei, e é respeitando ela que se pode esperar ver o acusado respondendo por seu crime de forma legalmente correta.

Bem, que venham as pedradas

Como fazer bonito em Cálculo

Não sei se é por causa da minha idade (afinal já estou no meu inferno astral para entrar na versão 4.0), mas o caso é que até agora fui poupado do “trote sujo” na UFRGS.  Isso pode parecer bom, afinal quem quer ir pra casa com o corpo todo coberto de meleca e coisas fedorentas, além de ser obrigado a beber até cair? Fora adolescentes enlouquecidos para entrar na vida adulta e que vêem nisso um rito de passagem eu  não conheço ninguém em sã consciência que queira passar por isso. O lado ruim? É que eu me sinto meio que deixado de lado,  visto que não participei nem do “trote solidário”, que é uma espécie de integração. E por que não participei? Parece que no dia da matrícula perguntaram para os calouros se eles queriam participar do evento, e, como você pode perceber pelo uso da palavra “parece”, ninguém me perguntou nada. Acho que me acharam velho demais para ser bicho…

Assim sendo, resultou que houve aulas onde eu fui e boa parte da turma não apareceu. E a última aula em que isso ocorreu foi justo a turma de Cálculo A, já que tive a sorte de chegar meia hora atrasado na aula e ver meus colegas saindo pelo Campus Central da UFRGS em fila indiana num estado deplorável. Chego na sala e vejo que o professor nem se abalou com o auê todo e mandou ver no conteúdo. Assim, fui lá, copiei o que foi passado no quadro e na hora do intervalo fui embora, já que as aulas de Produção de Texto ainda não começaram. E, no que eu estava indo embora, encontrei meus colegas pedindo esmola, e ao me ver já perguntaram “Teve aula???”. Foi nessa hora aí que senti que já estou com uma certa fama de CDF… Bem, confirmei e já tasquei “Mas não te preocupa, que vou passar minhas anotações a limpo e depois passo para a turma”. Nada como querer ser simpático, não?

Pois é, e é nessas que a gente se rala. Afinal, como passar a limpo equações? Texto puro não tem problema, mas equações é uma mão de obra desgraçada. Mas, enfim, fui eu que me comprometi, então o negócio é não reclamar e fazer logo. Primeiro pensei em usar o editor de fórmulas do OpenOffice, mas confesso que acho o resultado final meio medonho. E posso dizer o mesmo do editor de fórmulas do Word. Assim, como fazia um tempinho que eu estava querendo aprender a usar o LaTeX achei que essa era a oportunidade. Contudo fui dar uma olhada em como fazer um documento inicial simples e vi que ia precisar de mais de um dia para dominar aquela coisa lá. Então, o que fazer?

A resposta veio na forma do jsMath. É uma biblioteca javascript que permite que você coloque equações em páginas web, equações essas que seguem o formato TeX. Com isso pude trabalhar normalmente num texto em HTML, como estou acostumado, e pude acrescentar as fórmulas matemáticas desejadas,  com um resultado bem agradável de se ver 🙂  Além disso, ainda usei uma outra biblioteca javascript para adicionar gráficos ao documento, o Flot, de forma que a página ficou bem completa.

Assim, editei as fórmulas e já estou repassando para os colegas. Sinto que vou ficar com mais fama ainda de CDF, mas fazer o quê? É como falam: do nosso destino a gente não escapa.

Update: uma colega me mandou um comentário por email que eu acho válido colocar aqui por ser outro ponto de vista sobre essa minha retomada dos estudos, mesmo ficando vermelho com o puxão de orelha do começo da mensagem. Segue:

Colega, nem toda pessoa que passa pelo trote sujo é um adolescente louco querendo entrar na vida universitária, às vezes a gente só não quer ficar conhecido como “o chato que não quis socializar”. E tinha gente mais velha no trote também, assim como vi essas pessoas sendo convidadas pro trote solidário no dia da matrícula. Tu pode ter chegado depois deles começarem a perguntar, pode ter mudado de lugar, pode ter ido no banheiro, ou pode ter sentado próximo do local onde os acompanhantes estavam. Enfim, a moral é, com um monte de possibilidades, por que tu escolhe acreditar na que te deixa mais desconfortável? Achei nossa turma bem variada de idades, acho que tu não devia pensar tanto nisso. E olha, não menti quando disse que teu trabalho foi ótimo, se depois disso tudo tu ainda quiser justificar certas coisas por causa da idade, justifique o teu trabalho, que com certeza por esse fator pode ter sido bem melhor do que o trabalho que muitos da gurizada vão conseguir fazer.

Desculpa, tu mandou o link e tomei a liberdade de ler teu blog e tentar comentar, mas como os comentários estão desativados, vim mandar um e-mail mesmo, porque acho importante tu saber como os outros estão lidando com isso e não só a tua impressão. Espero ter aliviado um pouco teu pensamento!

É, tenho que trabalhar melhor  essa crise dos 40 que está aparecendo… Obrigado pelo email 😉

Posso sorrir?

Fui fazer o Cartão UFRGS. Vou lá, entro na fila, o atendente – um senhor já um tanto avançado na idade – vai chamando e só fala “é primeira via?”, “RG por favor”, “sente-se ali”, “coloque seu dedão aqui”, “por favor aguarde uns instante” e “próximo”. Foi assim com quem estava na minha frente, foi assim comigo.

Estou então esperando o cartão ficar pronto quando chega uma moreninha baixinha, bonitinha de rosto e com um par de seios digamos que um tanto quanto avantajados. E um decote que os exibe em todo o seu esplendor. O atendente pergunta “É primeira via?”, manda o “RG por favor” e pede para ela sentar para tirar que ele tire a foto. Ela senta, se ajeita, estufa o peito e pergunta:

– Posso sorrir?

O atendente então esboça o primeiro sorriso do dia e de forma suave responde:

– Pode sim, minha filha. Pode sim.

O que é público é de todos

Esse fim de semana Porto Alegre ficou chocada com o absurdo que ocorreu na Cidade Baixa, onde um motorista jogou o carro em cima e saiu atropelando ciclistas que participavam da Massa Crítica, um evento que procura promover a bicicleta como meio de transporte urbano.

E, como é natural, apareceram várias pessoas criticando os ciclistas por “fecharem” a via pública, não deixando os carros passarem. Dizem não defender o motorista irresponsável, mas ao mesmo tempo colocam parte da culpa sobre os ciclistas, pois estes invadiram o espaço que é de automóveis. E, ao mesmo tempo que aparecia esse argumento, o ClicRBS colocava uma enquete no ar perguntando se ciclovias eram a solução.

Infelizmente ciclovias não são a solução. A solução na verdade está como sempre na educação, na conscientização de que o argumento de que as ruas são para os carros é completamente errado. As ruas são consideradas o espaço público por excelência não a toa, há um sentido para isso: elas são espaços para locomoção e interação. E essa locomoção pode se dar por meios mecânicos, mas não apenas. Por motivos de segurança existem as calçadas, que são um espaço nas ruas reservado aos pedestres, e tão somente aos pedestres. No mais, se a pessoa está fazendo uso de um meio de locomoção (excetuando talvez as cadeiras de roda) o seu lugar é na rua. Isso não é manha ou birra de algum governante: é uma forma de proteger o pedestre.

E é aí que está a questão: cabe à pessoa que está no veículo mais resistente respeitar e tomar cuidado com aqueles que estão em uma situação mais vulnerável. Na nossa cultura, onde o carro é um instrumento de afirmação, se vive uma situação em que se você não está fazendo uso de um veículo motorizado (seja moto, ou carro, ou caminhão, ou ônibus) na rua você está errado, está “atrapalhando”. E com isso quem optar por um meio de transporte mais vulnerável está correndo riscos, como se pode ver no dia a dia: esses são tratados de forma totalmente desrespeitosa, com risco à sua integridade física.

Então, antes de defender a construção de ciclovias, o que se deve defender é a conscientização de que as ruas são espaços para todos, que bicicletas também são veículos de locomoção, e que não é o fato dele não ter um motor que ele está “atravancando” o trânsito.

Ensinando a valorizar profissionais

É interessante ver como as coisas funcionam nesse mundo em que vivemos… Recentemente a minha namorada Taila, que é estudante do curso de Artes Visuais – Licenciatura no Instituto de Artes da UFRGS, recebeu um email da Comgrad/ART onde foi repassada a seguinte proposta de estágio enviada por uma coordenadora pedagógica de um colégio particular de Porto Alegre (os nomes nos emails abaixo copiados foram suprimidos visto que não solicitei autorização para reproduzir os mesmos e não quero levar um processo por conta disso):

Data: 4 de janeiro de 2011 12:42

Prezados senhores,

sou coordenadora pedagógica do colegio (nome suprimido) e gostaria se possiviel fosse divulgado nesta institução que estamos oferecendo estágio não remunerado na disciplina de artes na 5ª série do Ensino Fundamnetal para a companhar a professroa titular da disciplina de Artes durante o ano letivo de 2011. Os interessados deverão enviar curriculo para (email suprimido) durante esta e a outra semana.
No agurado de sua atenção
agradeço
(nome suprimido)

(nome suprimido)
Coordenadora Pedagógica:
5ª a 7ª Série do E F

Bem, erros de digitação a parte, o que mais chamou a atenção da Taila nesse email foi o “estágio não remunerado”. Assim, ela mandou um email para os colegas delas que receberam a mensagem (sim, a Comgrad/ART não sabe usar BCC) expressando a revolta dela com o fato de que uma escola particular, isto é, que cobra (e bem) dos seus alunos, oferecer um estágio não remunerado. Vários colegas dela concordaram, colocaram seus pontos de vista e uma tomou a iniciativa de mandar um email para a coordenadora reclamando sobre a não remuneração, recebendo assim a seguinte resposta:

(nome suprimido), acredito que me fiz entender mal quando oferecei um estágio não remunerado. Procuramos um auxiliar para  turmasd de 30 alunos e que queiram auxiliar a  professora titular nas aulas de arte. Muitas pessoas nos procuram por que não tem a prática necessária para atuar em escolas , principalmente nas particulares e gostariam de trer esta prática. Esta é uma oportunidade que a escola abre para estas pessoas. Já recebemos currículos de colegas teus que manifestaram desejo de participar desta oporunidade. Pelo visto não é o seu caso. Mesmo assim continuamos buscando alunos  que queiram aprender conosco, mesmo numa situação como esta.

Atenciosamente
(nome suprimido)

Essa resposta deixou o pessoal mais nervoso, afinal, como apurou uma colega da Taila, para o estágio não obrigatório é compulsória a concessão de bolsa ou outra forma de contraprestação que venha a ser acordada, bem como a concessão do auxílio-transporte.  Portanto é contra a Lei de Estágios contratar para estágio não obrigatório e não oferecer remuneração, assim como auxílio transporte (que não necessariamente tem que ser o valor integral dos gastos com passagens). Essa informação foi repassada para a  coordenadora, que respondeu o seguinte:

(nome suprimido), realmente  eu me equivoquei e não sabia da lei de estagios. Foi num impulso que enviei o e-mail para este Instituto de não podia imaginar que isto fosse causar uma revolta tão grande. Desculpe.  Fica combinado, então,  que não entrevistaremos os teus colegas que enviaram curriculo e se apresentaram para a vaga. Nossa intenção nunca foi de abusar dos  estudantes de qualquer disciplina . Acredito que todos temos que buscar nossos direitos. Não nunca pensamos em obter maão de obra barata , nossa intenção como já disse era oferecer um local para quem quisesse adquirir a  experiencia tão necessária quando da contratação de professores , principlamente nas escolas particulares.
Se quiseres podemos marcar uma entrevista , em março para conversarmos mais sobre este assunto, inclusive sobre orçamentos.

Um abraço
(nome suprimido)

Olha, quando a Taila me leu esse email eu não consegui conter meu espanto… Afinal, como assim “Fica combinado, então,  que não entrevistaremos os teus colegas que enviaram curriculo e se apresentaram para a vaga.”? Como assim “os teus colegas”? Primeiro, não deveria haver entrevista alguma, não enquanto não fosse definida uma forma de remuneração para esses estagiários. Essa coordenadora pedagógica não parou para pensar que se ela for adiante está fazendo com que a instituição onde ela trabalha cometa um crime? Não, pelo jeito não. Ela deve realmente acreditar que está ajudando os alunos de licenciatura, com o velho argumento do “adquirir experiência”, indo contra o que a escola prega, que é ter um currículo “organizado com ênfase na construção do conhecimento científico, norteado pela ética, a cidadania, a solidariedade e a responsabilidade social” (sim, esse texto está no site do colégio…).  Além disso, foi só para mim que essa mensagem passou a idéia de “ah, resolveu reclamar? Então explique você para os seus colegas porque não estamos aceitando ninguém daí”?

Mas sabe o que é mais irônico nessa história toda? É que justo essa semana está tendo vestibular na UFRGS, e o tema da redação é sobre a diminuição da procura pela profissão de professor e o que pode ser feito para reverter isso. Bem, posso dizer que, para começar, uma coisa que pode ser feita para começar é as escolas valorizarem os futuros profissionais de licenciatura, não acenando com o argumento de “adquirir experiência” e “engordar o currículo”. A única coisa que isso ajuda é a reforçar a idéia de que professor existe para ser explorado, e nada mais.

O revoltante auxílio-reclusão

Costumo no Twitter ver ocasionalmente críticas ao auxílio-reclusão. Normalmente é algo desse tipo:

É, de fato é revoltante isso… Afinal, lá está você honestamente dando duro, suando, para ganhar uma merreca, enquanto o cara que matou, estuprou, e fez o diabo a quatro tá lá no bem bom sem fazer nada ganhando mais do que você… Sim, é extremamente revoltante.

Só que não é bem assim.

Para começar o auxílio não é para o preso. Esse está lá, encarcerado, sendo mantido pelo Estado. Por pior que seja o crime é função do Estado trabalhar na reabilitação do criminoso, e isso não é possível sem que o mesmo seja mantido vivo. Assim, ele recebe o necessário para as suas necessidades fundamentais. O problema não está aí, o problema está em quem depende de quem está preso.

Vamos criar um caso hipotético para ilustrar: José é casado com a Maria e tem um filho de 12 anos, o João. Ele é um cara trabalhador, mas tem um defeito: é muito esquentado. E um dia ele brigou com o Pedro e… bem, matou o Pedro. Como o José é um cara esquentado, e não é a primeira vez que é preso, ele é encarcerado, sem direito à esperar o julgamento em liberdade. E agora vem a pergunta: como ficam nessa história a Maria e o João? Pois é, a Maria até tem o seu emprego, mas se antes com o José trabalhando junto não dava para se manter direito imagine agora. E tanto a família do José como da Maria não são da cidade onde eles moram, de forma que não há familiar por perto para quem recorrer. Pois bem, é para a Maria e o João que existe o auxílio-reclusão. Enquanto o José estiver preso, sem poder prover o sustento da sua família, esta vai receber um auxílio da previdência.

É como disse o Mozart Victor Russomando no “Curso de previdência social” (p. 294-5, 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983):

“O detento ou recluso, por árdua que seja sua posição pessoal, está ao abrigo das necessidades fundamentais e vive as expensas do Estado. Seus dependentes, não. Estes se vêem, de um momento para o outro, sem o arrimo que os mantinha e, não raro, sem perspectiva de subsistência.”

É para isso que serve o auxílio-reclusão: para ajudar os dependentes, não o preso. Dizer que com um auxílio desses vai aumentar a criminalidade é fechar os olhos para o fato de que com isso está se evitando que o João aí da história vá “dar um jeito” (vale lembrar que pelo Estatuto da Criança e do Adolescente o João não pode trabalhar… então, como é que ele vai arranjar uma graninha?) para ajudar no seu sustento e da sua mãe.

E quanto ao valor, o detalhe é o seguinte: o salário mínimo pode ser de R$ 540, mas esse é o piso do salário mínimo, enquanto os R$ 810 são o teto do auxílio. Segundo o INSS o valor médio recebido por família é de R$ 580,00 por mês, o que quer dizer que tem gente que recebe menos que o salário mínimo. Dá para entender isso quando se leva em conta que o valor do auxílio-reclusão a ser concedido corresponderá ao equivalente a 100% do salário-de-benefício pago pelo contribuinte no momento em que ele foi preso. Ou seja: se ele recebia um salário de R$ 670 e pagava a contribuição sobre esse valor ele receberá a quantia de R$ 670. Sim, o mesmo que ele ganhava de salário! Olha, não quero dizer nada, mas se alguém aprontar uma para ir preso em um das maravilhosas prisões brasileiras   para ganhar esse auxílio por causa do dinheiro ele realmente merece ir preso, mas por burrice.

Então, antes de dar o retweet dessa besteira aí em cima pare e pense. Assim você vai ver que esse auxílio aí não estimula o aumento da criminalidade, mas sim ajuda a diminuir o mesmo.

Nem tudo o que é dourado é ouro

Pirita é um mineral ferroso que, devido ao seu brilho metálico e à cor amarelo-dourada, é conhecido como ouro-de-tolo. Se você acredita no poder curativo dos cristais (o que não é o meu caso) você pode comprar uma pedra de pirita pesando entre 200 e 250 gramas por uns R$ 80 (praticamente o mesmo valor de um grama de ouro),  tratando assim problemas na flora intestinal, juntas, cabelo, pele, sistema nervoso, plexo solar, caminhos da respiração, brônquios, pulmões e distensões. Pode também usar o mineral para resolver problemas psíquicos, como medo de exames, problemas de relacionamento, autoconsciência, moléstias psicossomáticas e, principalmente, depressões e frustrações.

Pois é, pelo jeito o Marcelo Dourado, vencedor do Big Brother Brasil 10, vai precisar de uma pedra dessas… Afinal ele torrou todo o prêmio de 1 mihão e 500 mil reais que ele ganhou em menos de um ano. Isso dá cerca de 120 mil reais por mês. Diz ele que gastou com familiares e com a sua marca de roupa, mas também largou essa: “Eu tenho namorada, então gastei rápido. Eu jogo jogos de azar. Todo o dinheiro já era. Eu quero trabalhar para poder pagar minha contas. Já estou devendo.”. É amigo…

Sabe, eu costumo jogar volta e meia na Mega Sena, Lotomania, etc. Sei muito bem que a chance de ganhar um desses prêmios é minima, mas levando em conta que é mínima a chance de juntar um milhão com o dinheiro que eu gasto nas apostas encaro como sendo “elas-por-elas”. Sabe aquela conversa do Débi & Lóide onde o Lloyd Christmas pergunta para a Mary Swanson se ele tem uma chance em um milhão e ela responde um talvez, o que faz com que ele grite alegre “Eu tenho uma chance!”? Pois é esse o espírito. Tolo, sem dúvida, mas divertido, e é dentro desse espírito que eu costumo viajar pensando em como gastaria esse dinheiro. E se tem uma coisa que eu já percebi nesses devaneios é que, apesar de soar bonito, um milhão não é tanto dinheiro assim.

Não, não é. Está certo com um milhão de reais na poupança você pode viver bem, tirando cerca de 5 mil reais por mês, o que já faz muita gente pensar em parar de trabalhar (e de fato a idéia é tentadora), porém isso está longe, muito longe, de ser rico. Pense em algo que fuja do dia a dia (comprar um helicóptero, ter uma lancha, ter um apartamento à beira-mar em Copacabana) e você vai ver que 1 milhão é pouco. Se você pensa em viver na farra então, um milhão é um nada. Taí o Dourado para provar.

Fosse o cara esperto ele pegava essa grana, separava um terço para criar uma base sólida de vida (afinal com 150 mil você ajuda na buena sua família e com 35o mil você compra um belo de um apartamento e equipa ele bonito com geladeira Brastemp, TV de 50 polegadas, uns e outras regalias) , de forma que teus gastos a partir daí serão de manutenção, e mete o resto na poupança, tirando aí um boa grana para complementar teu salário. Se o salário for muito baixo, se diminui o gasto com a família e a casa própria para uns 300 mil reais e se gasta uns 100 mil montando um negócio, mantendo uns 100 mil engatilhados para manter o mesmo até engrenar. Isso tirando uns 5 mil por mês para se manter. Essa é uma forma racional de usar o dinheiro, não?

Opa! Pára tudo! Eu estou esperando que o Marcelo Dourado seja racional? Isso sim é que é tolice!